sábado, 28 de julho de 2007

Guiné - Bissau Abril/Maio de 1996

Algures em Bissau, aquando da nossa visita em 1996
AA lancha Saco Vaz ( em memória do Comandante do PAICG, morto em combate com as NT na estrada entre Teixeira Pinto e Cacheu, em 20 de Abril de 1974) que faz ( fazia?) a travessia em João Landim

sexta-feira, 27 de julho de 2007

No Cacheu


Grupo de amigos, em Novembro de 1971, sentados no Fortim do Cacheu, construído pelos Portugueses no Séc.XV, marcando a chegada de Nuno Tristão.

Reconhece-se o Canário, de Portalegre, à esquerda. Os outros dois (está a ficar fraca a memória...) não recordo os nomes, embora de um deles ter uma vaga ideia de ser Fuzileiro especial e natural de Bragança, como o Avelino André, o Bragança.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Cacheu, 70/71

Os amigos inseparáveis.

Da esquerda para a direita: Nunes, que vive em Alpendurada e que aparece sempre aos convívios e que mantém os laços de amizade desde a recruta; Bragança, de seu verdadeiro Avelino André, que ao que sei está em França, para onde foi logo que regressou da guerra e ainda não consegui abraçar; Alferes Ferreira, que ao fim de quase 30 anos, apareceu finalmente; Pinto, de Viseu, que infelizmente já nos deixou e, finalmente o autor deste espaço.
Falta aqui o Barbosa, para o Grupo dos 5 ficar completo

domingo, 15 de julho de 2007

Guiné-Bissau, 25 anos depois

Grupo que em Abril/Maio de 1996, visitou a Guiné. Aqui, no antigo quartel do B.Caç.2905, em Teixeira Pinto e hoje quartel das Forças Armadas da Guiné-Bissau. A confraternização entre antigos inimigos que se impunha (impõe...) Numa dicoteca/bar, exactamente por debaixo do antigo Pelicano, em Bissau

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Maio de 1996 - 25 anos depois

Monumento de homenagem ao Comandante do PAIGC, Saco Vaz, morto em combate com as NT em 20 de Abril de 1974.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Cacheu, Guiné-Bissau

Maio de 1996.
No Cacheu,todos juntinhos, para a fotografia

domingo, 1 de julho de 2007

No dia de S. Martinho

Saíram já depois da meia-noite.

Na tentativa de ludibriar o IN que sabíamos, espiava os nossos movimentos, o primeiro e terceiro grupo de combate da Companhia de Caçadores 2659, que estava sediada em Cacheu (Guiné) e pertencente ao Batalhão de Caçadores 2905, este com a sua sede em Teixeira Pinto, hoje Canchungo, saíram em direcção a Mata e Bianga, duas tabancas normalmente inofensivas e “amigas”, inflectindo, já no meio da bolanha, para Pjangali, principal objectivo da operação.

Conhecia perfeitamente a zona para onde iam e sabia também o perigo que corriam. Já tinha passado por lá muitas vezes e... sabia que ali havia sempre “porrada”.
A marcha tinha de ser lenta e silenciosa pelo meio do capim a ficar seco, cobrindo as nossas cabeças, com as formigas enormes como baratas a entrarem pelo tronco, pescoço e pernas, por todo o lado por onde pudessem penetrar, dando ferroadas de morte, de modos que, muitas vezes, quando sacudidas de forma enérgica, puxando por elas, ficava a cabeça cravada nos nossos braços e pernas.
A bolanha, ainda não muito seca, era outro obstáculo a ultrapassar. A cada passo as pernas enterravam-se no lodo negro e malcheiroso, com a arma e munições numa rodilha à cabeça, preservando a sua funcionalidade. A ração de combate, único alimento para aquele dia, já tinha ficado nos primeiros metros da bolanha, perdida no lodo por entre milhares de minúsculos caranguejos e outros pequenos bichinhos, repugnantes e viscosos, que subiam por todo o corpo.

A manhã despontava, naquele dia 11 de Novembro de 1970, dia de S. Martinho. Era hora de descansar um pouco, retemperar forças antes de seguir para o objectivo.
Pouca passaria do meio-dia, quando chegaram à clareira que defendia as tabancas de Pjangali.
Rastejando como cobras por entre pequenos tufos de erva, os rapazes do primeiro e terceiro grupo de combate, aproximaram-se lentamente das tabancas. De uma delas, bem no centro da aldeia, saía fumo e umas quantas galinhas debicavam aqui e ali, certeza que ali se encontrava alguém. As ordens tinham sido muito claras e cada um sabia o que tinha a fazer.
Completaram o envolvimento e entraram na aldeia sem que se ouvisse um único tiro.
Cautelosamente, abrigados, com um grupo de homens protegendo a rectaguarda, avançaram até à primeira tabanca e entraram de rompante. Lá dentro, com um ar um tanto surpreendido, um “homem grande”, olhava-os com o medo estampado no olhar.
Vendo que não havia perigo, os homens da companhia avançaram. A principio, cautelosamente, para logo depois descomprimirem. O alvoroço de galinhas e porcos, obrigaram a aparecer crianças, homens e mulheres, estes já velhos, sinal inequívoco que os mais jovens andariam em sortidas com os guerrilheiros.
Apareciam de todos os lados, garantia que, apesar de todas as cautelas tomadas, tinham sido previamente detectados. Foram interrogados pelo comandante da operação e, valendo-se de um dos guias, numa mistura de crioulo, manjaco e balanta, foram sabendo que já há vários dias que ali não parecia ninguém e que eram só aqueles os habitantes da tabanca. Abivacaram mesmo ali e as rações de combate que alguns deles, felizmente, ainda traziam, foram repartidas pelos nativos, enquanto o cabo enfermeiro curava algumas feridas e distribuía “mezinha” entre eles.
Eram horas de regressar e após contacto com a base receberam instruções para seguirem por Mata e Bianga.
Seriam cerca das seis horas da tarde quando os camaradas que ficaram no aquartelamento, os viram a atravessar a pista de aterragem. Pouco depois entravam pela porta que dava para o cemitério da povoação nativa por entre gritos de júbilo e de boas vindas dos que ficaram e que queriam saber como decorrera a operação. Vinham todos... Cansados, mas sorridentes. E, não era para menos. Não era a primeira vez que se ia para aquela zona e, todos sabiam que ali era costume “embrulhar". Além disso, era dia de S. Martinho e, tudo estava preparado para uma grande festa, como era da praxe, em dias marcantes do nosso calendário!
Fiquei por ali um pouco, trocando impressões com o comandante da operação, sabendo como decorrera, quando uma forte explosão nos atirou por terra.
Pensamos que era um ataque ao aquartelamento que, afinal era costume, ao final da tarde, quando gritos lancinantes e uma nuvem de poeira e estilhaços varreram toda a parada. Apercebi-me logo que algo de muito grave tinha acontecido e corri para o abrigo do primeiro grupo de combate. Por entre a poeira, correrias em pânico e muitos gritos (que ainda oiço muitas vezes) vi muitos dos nossos camaradas contorcendo-se por entre gritos de dor, tentando estancar o sangue que lhes saía de várias feridas espalhadas pelo corpo. Num rápido olhar avaliei a situação e vi um deles – o cabo Malheiro – que era o que estava mais perto da entrada, muito ferido. Peguei nele e vi, horrorizado, que as duas pernas, do joelho para baixo, tinham desaparecido. O sangue saía aos borbotões daqueles cotos, com a pele em fiapos, com músculos, veias e artérias como se tivessem sido cortados com uma serra velha. Sangue e mais sangue!!! Tentei manter a serenidade e, com outros camaradas, corremos, gritando para afugentar o pânico, transportando-o, em “cadeirinha” até à enfermaria, onde os enfermeiros se afadigavam, tentando por todos os meios estancar o sangue que se esvaía das feridas abertas. As compressas e ligaduras depressa ficaram ensopadas em sangue, até que se esgotaram.

Peguei nele e vi, horrorizado, que as duas pernas, do joelho para baixo, tinham desaparecido

Pouco depois descobrimos outro ferido grave. Estava num local mais afastado do abrigo. Segurava a barriga com um esgar de medo e dor. Um buraco enorme, onde cabiam dois punhos cerrados, deixava ver parte das suas entranhas. Era horrível!
Entretanto caía a noite no Cacheu (na Guiné, depois das 18 horas é já noite). Os homens do posto de rádio afadigavam-se pedindo por socorro e o capitão gritava para Bissau a chamando a evacuação de dois feridos graves.
Às desculpas de que, de noite, não podia levantar qualquer avião ou helicóptero, por falta de visibilidade, o nosso capitão respondia que iluminava a pista com todas as viaturas do quartel e, assim se fez, mesmo sem se ter a certeza da chegada de socorros.

Naquela guerra era proibido morrer ou ser ferido durante a noite...

Cerca das oito horas da noite, o Primeiro – Cabo Malheiro, morria, esvaído em sangue por falta de assistência (porque os aviões de socorro não podem voar de noite...) não obstante todos os esforços para o manter vivo. Uma onda de raiva e impotência varreu toda a Companhia de Caçadores 2659. Chorava-se pelos cantos e vociferava-se contra os senhores de Bissau que, no conforto do ar condicionado, se estavam marimbando para os camaradas que morriam no mato. O Capitão, no posto de rádio, desalentado, horrorizado pela falta de socorro, gritava com Bissau, dizendo para trazerem, não um, mas vários caixões.
Eram 10 horas da noite quando as viaturas que estavam na pista, com todos os faróis acesos, pondo a pista como se fosse dia, receberam ordens para regressar.

Tinha falecido o outro ferido grave – o saldado Marques – que, por malvadez do destino, se encontrava no local errado. Ele que, embora pertencesse ao primeiro grupo de combate, tinha sido dispensado daquela operação. Ele que deveria regressar à Metrópole dentro de dias. A doença que lhe fora detectada, tinha-o dispensado do serviço. Ele, que já tinha escrito à família, dizendo que se ia embora... Ele, que até já tinha feito o espólio e trajava já à civil!!!
Ninguém dormiu nessa noite. A dor e a raiva eram demasiadas.

Naquela guerra era proibido morrer ou ser ferido durante a noite...

De manhã cedo, a DO começou a sobrevoar o aquartelamento e o Valente, de Vilar de Mouros, com os olhos ainda cheios de lágrimas de raiva, correu para a Breda e disparou vários tiros de desespero contra a avioneta. Eram balas de dor, de raiva, de impotência, de desespero. Chamado à razão, corremos para a pista e, quando a DO aterrou, foi difícil conter a ira de muitos de nós e o piloto foi cuspido, insultado e pontapeado. Felizmente, alguns mais serenos, conseguiram ouvir a voz do nosso Capitão, chamando-os à razão. O piloto de nada sabia. Tinha entrado de serviço naquela manhã.
Mais tarde, já durante o dia, enquanto deambulávamos por ali, soubemos o que se tinha passado.
O Cabo Malheiro – o primeiro a morrer – que era portador da Bazooka, ao entrar no abrigo, colocou - a de encontro à parede com a saída para baixo. A mola que, normalmente, segura a granada estava avariada (como quase tudo naquela guerra...) e a granada caiu no chão, explodindo de seguida. Dos outros feridos graves, só o Mendes, de Riba d’ Ave, é que teve de ser evacuado.

Encontramo-nos uma ou duas vezes por ano. Não tem problemas de maior, depois de andar vários anos à espera que os estilhaços (não sei se já lhe saíram???) lhe saíssem todos. Nunca falamos do que aconteceu.
É duro demais para relembrar...

PS. Alterei os nomes dos dois camaradas mortos. O respeito pelo sofrimento das famílias assim o impõe.

(Publicado no Noticias Magazine –“ Experiências de Guerra”)